domingo, 14 de agosto de 2016

Produzido por Igor Costa Moresca

Quase um ano atrás, eu encontrei uma mensagem da sorte dentro de um biscoito em um restaurante japonês. E ao contrário do que eu jantei naquela noite, a lembrança das palavras que estavam guardadas dentro da minha pequena sobremesa continua comigo até hoje, porque fiz questão de passá-las a limpo para outro papel de recado quando aquele começou a desgastar. São pequenos detalhes do dia a dia que eu sempre procuro guardar com cuidado, porque invariavelmente acabam sendo os mesmos que me mantêm fiel a mim mesmo através do tempo. E dentro daquele biscoito da sorte, eu encontrei uma das primeiras pistas que viriam a me convencer de que me mudar para Foz do Iguaçu para correr atrás de um velho sonho foi mesmo a melhor coisa que eu poderia ter decidido fazer. Mesmo que não parecesse – pelo menos, durante aquelas primeiras semanas.

Eu queria ser um escritor. Queria construir uma carreira com base em algo que eu considerava ser a melhor coisa que era capaz de produzir: palavras, parágrafos, poesias. Queria contar histórias além das minhas, porque apesar da minha dificuldade inata em dominar a arte da coexistência com outras pessoas, eu tinha curiosidade em saber da onde vieram, no que acreditam, e aonde queriam chegar. E foram com isto em mente que eu procurei uma graduação que pensei ser pertinente aos meus sonhos, só para descobrir que seria algo que Fernando Pessoa batizou imortalmente como “a vida inteira que poderia ter sido e que não foi”. Por ter a sorte de ser jovem o bastante para começar de novo, vi uma vida inteira passar diante dos meus olhos, ficando para trás aos poucos, pelo retrovisor de um caminhão de mudanças que me trouxe até aqui.

Eu não queria apenas conhecer as histórias das pessoas, e ajudá-las a chegar aonde queriam. Mais do que isso: eu queria ser um autor.

***

Quem, como, quando, onde, por que? As perguntas essenciais que todo início de reportagem deve responder para poupar a atenção do leitor, são quase as mesmas que venho tentando responder sobre mim mesmo. E não somente desde o dia em que cheguei em Foz do Iguaçu, porque ainda não havia decidido o que iria fazer com o resto da minha vida neste dia. Até então eu só estava preocupado em desfazer as malas e descobrir em quais caixas estavam empacotados os pratos e copos, para evitar mais acidentes do que já havia causado. Acho que eu só iria conseguir pensar sobre o que queria ser, depois que finalmente encontrasse um lugar apropriado para todas as coisas que julguei serem pertinentes para carregar comigo até aqui. E quando dei um lugar para todas as coisas, decidi, enfim, ir atrás do meu.

Vou encontrar um novo emprego para começar a guardar dinheiro. Vou me matricular de novo no curso de jornalismo. Vou encontrar um estágio na área que me prepare para o trabalho desde o começo do curso. E vou começar a criar um nome para mim dentro da área.

O sonho não era tornar-me referência, profissional ou bibliográfica. Eu só queria ser feliz, escrevendo. E ser reconhecido por isto.

Eu não conhecia a rotina de um jornalista. Não entendia exatamente quais funções existiam dentro de uma redação. E esperava menos ainda que eu pudesse me arriscar em qualquer outra que não envolvesse a escrita. Mas o último mês tem sido mais rico em aprendizado do que eu poderia imaginar. Mesmo sem ter encontrado um emprego, e de quase perder mais um ano para voltar a estudar, a última parte do meu plano – talvez aquela com a qual eu sonhasse há mais tempo – deu certo.

O que nós nunca nos lembramos de pensar, ironicamente, é que até as coisas boas geram consequências inesperadas.

Tem dias que eu não durmo. Passo a noite virando de um lado para o outro, preocupado. Quantas pautas conseguimos produzir hoje? Quantas temos para amanhã? Temos conteúdo o suficiente para fechar o jornal? O que eu deixei passar? O que mais poderia ter feito, escrito, criado? O enfoque foi bem elaborado? O vídeo vai ser chamativo o bastante? Os assessores foram avisados? Os repórteres sabem com quem falar? O editor sabe que isto precisa ser entregue hoje?

Saber diferenciar o que é supérfluo do que é importante, e saber lidar com o abandono disto em prol do que é urgente. Ter anotados os números dos assessores com quem mais preciso falar, e saber de antemão quando terá alguma coletiva de imprensa de última hora. Eu amo o que faço. Talvez como nunca tenha amado fazer algo antes. O que justifica as noites que já passei sem dormir, as crises nervosas, os bloqueios criativos, e a leitura dinâmica que aprendi a fazer para poupar tempo. Mas no último mês foram poucos os momentos que dediquei para simplesmente pensar sobre o caminho que trilhei até aqui. As escolhas – certas e erradas – que tomei em busca de algo que dizia querer tanto, e que enfim vingaram para mim.

***

Foi o que aconteceu hoje. Em vez de procurar me informar o máximo que eu poderia, e de deixar anotadas possíveis notas em meu caderno de pautas, eu tirei o dia para não pensar, não produzir, não surtar. Só para relembrar do quanto certas coisas só parecem atingir seu significado depois de um tempo – como eu mesmo – enquanto outras tem seu significado claro, mas precisam de tempo para que a prática prove a sua veracidade – como aquele biscoito da sorte.

Há quem diga que o destino não tem nada a ver com nada. Que a nossa vida se baseia nas escolhas que fazemos, ou até mesmo nas vezes em que optamos por não agir. Nas oportunidades que agarramos, e em outras que criamos para nós mesmos. Mas a verdade é que nós talvez nunca saibamos qual é o caminho certo a seguir, se é que um caminho certo realmente exista. Aqui e agora, eu só posso dizer ao certo das coisas que fiz para chegar aonde eu queria, e de tudo que eu senti durante a jornada. Todo o medo, incerteza, fraqueza e indisposição que tomaram conta de mim na maior parte do tempo, enquanto ainda tentava seguir adiante.

Pode parecer exagero, ou só um grande desabafo (que nada mais é do que a versão emocional de um release) que precisava ser expirado há dias, mas o fato é que amanhã é segunda-feira: dia de acordar cedo, chegar na sala da redação, ligar a cafeteira, e produzir todas as histórias que eu puder – inclusive a minha. O que pode ser ridiculamente desafiador, imensamente preocupante e demasiadamente sério, mas nunca trabalhoso. E é por isso que eu sou grato.