quinta-feira, 31 de março de 2016

O novo normal


Imagino se um dia ele irá saber que ele está no show mais famoso...” – David Bowie

Eu preciso de uma filosofia. É o que me mantém vivo diante das adversidades. Algo que me inspire o suficiente para levantar da cama de manhã e continuar tentando viver lá fora de um jeito que me leve de encontro a todos os sonhos que, por hoje, mantenho escondidos debaixo do travesseiro. E esse era o meu maior medo quando cheguei aqui. Provavelmente o mesmo medo que sinto quando o familiar se dissipa e o novo se instala. A rua que avisto da janela do meu quarto parecia infinita. Eu não sabia até onde ela chegava, ou aonde mais poderia me levar. Os rostos eram estranhos e fechados. E a cidade tão conhecida por milhares de turistas todos os dias me passava essa mesma sensação; de que eu era um estrangeiro aqui. É por isso que quando encontrei aquela música, tudo começou a fazer um pouco de sentido para mim. Talvez não seja o sentido que David Bowie tivesse em mente quando a escreveu, mas foi assim que ela me pareceu. Talvez porque eu mesmo estava tão desesperado para ter uma filosofia. Ou no mínimo, algo para acreditar de novo. “Existe vida em marte?”, Bowie disse. “Existe vida em Foz do Iguaçu?”, pensei.

Mais do que pensa, passei a maioria dos meus dias rezando por isso. Para que a mudança não tivesse sido um engano. Para que este passo não tivesse sido em falso. Para que tudo e todos que ficaram para trás não tivessem sido em vão. Recomeçar é tão difícil. Especialmente quando, vamos admitir, meu forte sempre foi desconstruir as coisas e as pessoas ao meu redor. Para descobrir exatamente do que eram feitas. E, mais importante, para ter certeza de que serviriam de base para mim. Talvez eu estivesse exigindo muito em pouco tempo. A essa altura eu já deveria ter aprendido que nada acontece da noite pro dia, nem do dia pra noite. Até porque entre uma coisa e outra, e entre um texto e outro, houve uma vida inteira que – ao contrário do que Fernando Pessoa diria – tinha tudo para ser plena e foi.

Já faz meses desde a mudança. E eu já conheço bem a rua da minha casa, bem como várias outras da cidade. Já conheci muitos lugares e algumas pessoas já tiveram participação na minha vida. Não é um histórico muito longo ainda; esse começo continua sendo escrito. Mas quando percebi que já não estava mais pensando sobre essas coisas sozinho, e já sabia me virar bem pelas curvas e paralelas de Foz do Iguaçu, um novo “normal” que estava se estabelecendo me pegou de surpresa. As coisas não parecem mais tão assustadoras, alguns rostos já conseguem se destacar na multidão, e a vida... Surgiu. Como é de se esperar nesses casos, quanto mais você anseia por algo, mais desprevenido você descobre que estava quando isto finalmente acontece. E quando o novo normal tomou conta, inevitavelmente pegou parte do lugar da minha vida antiga.

O que eu quero dizer com tudo isso é simples. Eu estou feliz. Em Foz do Iguaçu! Quem diria?! Mas parte dessa felicidade carrega um pouco de culpa consigo. Culpa pelos lugares que visitei e que não irei cruzar novamente. Culpa pelas pessoas que conheci e que não sei quando irei rever. Culpa por toda aquela vida que demorou tanto para se formar e agora deve ceder seu espaço que estava preenchido por saudade para que novas lembranças sejam formadas. Não há como viver duas vidas em uma. Não é a toa que para que um mundo novo seja desbravado, um mundo deve ser demarcado como antigo. Mas isso não significa que não possa haver uma ponte entre eles. Felizmente para mim, as pontes próximas a mim levam a outros destinos. E o mundo antigo, meu mundo antigo, está apenas a um ônibus de distância.

Assim como já procurei diversas versões da mesma música, e já escrevi uma parte considerável da minha história por aqui, posso dizer sobre ambas que gostei de tudo pelo que passei.  Então para responder a sua pergunta, Igor: sim.

Existe vida em Foz do Iguaçu. Seja bem vindo e não deixe de acreditar nela.